A crise de identidade da Eletrobras

Diogo Mac Cord de Faria, Sócio da LMDM e coordenador do MBA do Setor Elétrico da FGV


Dezesseis bilhões de reais. Este foi o prejuízo acumulado da Eletrobras nos exercícios de 2012, 2013 e 2014. A razão mais clara para isso é que a empresa sofre até hoje uma crise de identidade, que começou no novo marco do setor elétrico, em 1995, e que piorou com as alterações de 2004. Afinal, quem ela é: poder concedente ou concessionária?
Por um lado, ela parece que é concedente: a estatal administra para todo o setor elétrico, até hoje, encargos como o da CDE, além de ser a zeladora do Programa Luz para Todos. O TCU já apontou um furo de mais de R$30 bilhões em outro fundo, que deveria cuidar da RGR, mas cujo valor foi repassado às subsidiárias da empresa e desapareceram. Além disso, o Grupo foi utilizado de forma política para renovar as concessões de geração (garantindo uma redução no preço da energia), mesmo que esta decisão tenha ido contra todas as lógicas econômicas possíveis. Parece, então, que assumiu um papel de governo, admitindo operar usinas sem um retorno financeiro adequado, para que o consumidor se beneficie do “papel social” que a estatal possui.


O problema é que, caso a empresa assuma este “papel social”, estará definitivamente dando as costas aos investidores privados, que acreditaram no discurso de que a empresa seria administrada de forma profissional e orientada ao mercado. Hoje a União controla 51% das ações ordinárias do Grupo, porém apenas 40,99% do capital social total. Isso significa que, na hora de passar o chapéu, o discurso foi um; na hora de honrar o compromisso assumido, o discurso foi outro.


Na luta para parecer uma concessionária como as outras, a Eletrobras tem participado de leilões de energia nova e de linhas de transmissão (muitas atrasadas, diga-se de passagem). Por outro lado, manter distribuidoras deficitárias sob seu guarda-chuva demonstra, novamente, o descompromisso com o lucro.


Então, na melhor dúvida Shakespeareana, ser ou não ser concedente vai dizer se a empresa quer ou não quer ter lucro. E, a partir do momento que a decisão for ser concedente (e não concessionária), a Eletrobras deverá focar apenas na operação das usinas que chegaram ao fim de sua concessão, fechando seu capital (com consequente devolução ao investidor seu dinheiro) e parar de concorrer em novas licitações contra empresas privadas, já que naturalmente ela concorrerá com taxas de retorno nulas ou até negativas. E se, em um primeiro momento, isso parece bom – já que o consumidor poderia se beneficiar de tarifas mais baixas – no longo prazo isso é destruidor para o setor. Afinal, tal atitude afugentará os investidores privados e o capital internacional de longo prazo, que após perceber a tendência monopolista de “ganharemos a qualquer custo” da empresa, buscarão outros países para investir. E, quando acabar o dinheiro público para subsidiar obras com margens negativas (ou seja, quando o “realismo tarifário” for necessário), não haverão empresas para assumir a expansão do setor elétrico.


É importante observar que outras empresas de capital misto e controladas pelo poder público, como Copel e Cemig, são bem administradas. A diferença entre elas e a Eletrobras é que as primeiras não pertencem ao poder concedente, e por isso não há conflito de interesse em sua gestão. Itamar Franco, em 1999, ameaçou explodir a represa de Furnas (hoje uma das subsidiárias do grupo Eletrobras) caso a empresa fosse privatizada pelo então presidente Fernando Henrique, mandando 2.500 soldados da Polícia Militar para a usina. Talvez este tivesse sido um fim mais romântico a uma empresa que tanto fez pelo país, mas que hoje sofre com uma gestão populista, que já derreteu o valor de mercado da empresa em quase 70% desde 2012.

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