O Papel do Regulador no Setor de Saneamento no Brasil

Carlos Werlang Lebelein


Em um país que atualmente possui apenas 40% do esgoto tratado[1], concentrado nas grandes cidades maiores de 100 mil habitantes, (Na região norte esse valor chega a ínfimos 14%, enquanto que no nordeste é perto de 29%), o desafio da regulação mostra-se cada vez maior para garantir qualidade, universalização e modicidade tarifária.
A partir da Lei 11.445/2007, marco regulatório do setor, entendeu-se que a concessão de saneamento seria atribuição municipal, cabendo a este prestar diretamente ou delegar os serviços a empresas públicas ou privadas, devendo ainda designar para entidade específica a regulação desse serviço[2].


Limitando essa análise apenas para esgoto e água tratada[3], com a demanda de massivos investimentos para universalização, manutenção e modernização dos sistemas, e ainda no contexto de uma das maiores crises econômicas das últimas décadas, fica a necessidade de garantia do nível de investimento e manutenção de tarifas justas, mantendo a sustentabilidade econômica das concessões. Nesse contexto econômico-financeiro, cabe às Agências garantir a sustentabilidade da prestação desses serviços pelos prestadores por meio de metodologias específicas que monitorem os níveis tarifários adequados da concessão.


Segundo os fundamentos econômicos, e a própria característica do setor de saneamento, sendo uma indústria de rede, existem 3 elementos econômicos importantes dessa indústria:
A existência de externalidades – ou seja, o benefício individual dos usuários depende diretamente da quantidade de usuários dessa rede;
A importância de economias de escala – ou seja, quanto maior o mercado menores deverão ser os custos unitários do serviço;
A articulação em torno da infraestrutura – trata-se da infraestrutura de base necessária para interligar os sistemas até a ligação do cliente, coordenação e prestação dos serviços.
Sendo assim, aqui podemos abrir um questionamento para as práticas que temos visto em algumas cidades e regiões do Brasil: é possível a manutenção de uma tarifa módica (justa) para os consumidores, separando o serviço de água e esgoto em diferentes prestadores?


Do ponto de vista econômico desse setor, se faz clara a visão de que não há fundamento para essa decisão. A indústria de rede por conceito, fundamenta-se na existência de um Monopólio Natural pois os custos do serviço para um prestador de serviço único, por característica do setor e pela economia de escala, são menores do que trazendo dois ou mais prestadores, dada a grande necessidade de investimento em redes para conexão desses consumidores ao sistema, o que se apoia ainda na existência das mencionadas externalidades de rede, ou seja, no crescente benefício individual de cada usuário quanto maior o número usuários conectados à rede.


Sendo assim, um outro conceito semelhante existe para redes/serviços que são complementares ou similares, o chamado Monopólio Natural Multiproduto, que da mesma forma que no Monopólio Natural pressupõe a economia de custos, porém demonstrando que com a associação de dois produtos prestados por um único prestador, com economias de escopo, geram benefícios e custos menores para os consumidores finais. Caso esse que pode perfeitamente ser exemplificado para os serviços de água e esgoto, uma vez que: (i) a rede de clientes é a mesma, portanto os departamentos Comercial, Faturamento e Receita poderiam ser unificados; (ii) A operação do sistema da mesma forma pode ser simplificada com um mesmo prestador, unificando área de O&M, pela expertise de manutenção e operação, compras de produtos e contratação de serviços; e (iii) a estrutura administrativa não possui necessidade de ser dividida, não gerando duplicações de gerências, diretorias e presidência.


Ou seja, fica clara a necessidade das agências reguladores e do próprio poder concedente de se conscientizarem antes de incorrer na decisão de separar esses serviços em diferentes prestadores, pois pressupõe um maior ônus aos consumidores e uma maior dificuldade da manutenção do equilíbrio Econômico-Financeiro dessas concessões.
Infelizmente, no contexto atual nacional, se vê cada vez mais iniciativas (exemplos de: Blumenau-SC, Rio Verde-GO, Mauá-SP e Rio Claro-SP, entre outras cidades) a favor da separação desses serviços, uma vez que empresas estatais e municipais estão com enormes problemas para manter investimentos na universalização das redes de esgoto. Sendo a alternativa imediatista de conceder esses serviços a outras empresas, na maioria privadas, sem que os governos municipais enfrentem, ao mesmo tempo, o desafio de delegar também os serviços de água para esses mesmos prestadores, principalmente pelo medo político da “demonização” da privatização dessas empresas traria à seus ombros. Essa decisão fatalmente se mostrará equivocada ao longo dos anos, principalmente pelo custo dos serviços prestados compartilhados com todos os consumidores.


Uma outra crítica vem exatamente na esteira dessa decisão: tem-se optado na maioria dos casos de concessão dos serviços de esgoto pelo Regime de Regulação por taxas de retorno. Neste caso, utiliza-se percentuais de remuneração (TIR)[4]fixos e pré-determinados até o final da concessão, sem que haja uma análise prévia do custo de capital dessas empresas ou do projeto para determinação da taxa de retorno adequada. Adicionado isso, temos ainda contratos bastante simplificados e pouco esclarecedores quanto a definição dos investimentos e dos custos para a universalização e manutenção desses sistemas – Contratos esses que na maioria das vezes não adentram na questão das responsabilidades de cada uma das partes (poder concedente e concessionário) gerando grande insegurança para manutenção das condições econômicas previamente acordadas.


A determinação da taxa de retorno mediante uma análise pormenorizada do custo de capital, riscos do setor, estudo de alavancagem referencial das empresas e do projeto ao longo do prazo de concessão, e determinação do Custo Médio Ponderado de Capital (WACC), traria muito mais previsibilidade e segurança as partes, garantindo uma taxa de retorno realmente alinhada com a característica do serviço prestado.


Essa visão possibilitaria maior conforto ao poder concedente e concessionários, fundamentados em uma metodologia que realmente representasse os riscos do setor e remunerasse adequadamente o capital investido, com a possibilidade inclusive de inclusão de mecanismos com metodologias de revisões tarifárias periódicas para reequilibrar economicamente o contrato, quando necessário.


Do contrário, existirão sempre margens enormes para contingências e demandas para que as Agências resolvam ao longo do prazo de concessão, ônus esse que se levará em quanto durarem esses contratos.
Portanto, as Agências Reguladoras podem buscar soluções preventivas para esses desafios que estão emergindo neste setor, por meio da criação de metodologias tarifárias, estudos de econômicos e a capacitação de seus técnicos visando evitar que desequilíbrios ocasionados pelas dificuldades e características conjunturais desse setor possam prejudicar a prestação com qualidade dos serviços aos consumidores.


Não sendo dessa forma, restará às Agências o papel de apagar os constantes “incêndios” que fatalmente ocorrerão ao longo da prestação desses serviços, em detrimento de realmente Regular o setor.

[1] Fonte: SNIS – Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS 2013)


[2] Lei 11.445/2007 Art. 11 Inc. III:
São condições de validade dos contratos que tenham por objeto a prestação de serviços públicos de saneamento básico:
III – a existência de normas de regulação que prevejam os meios para o cumprimento das diretrizes desta Lei, incluindo a designação da entidade de regulação e de fiscalização;


[3] Segundo a Lei 11.445/2007 Art. 2° Inc. III saneamento básico consiste em: abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos.


[4] TIR – Taxa Interno de Retorno, quando aplicada em um fluxo de caixa com saídas e entradas de valores, apresenta valor presente líquido igual a zero.

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