Existem dois problemas principais quando se fala em investimentos de expansão para atendimento a cidadãos de baixa renda. O primeiro refere-se ao acesso: em geral, estes consumidores residem em áreas rurais ou em ocupações irregulares em centros urbanos.
Já o segundo refere-se à capacidade de pagamento destes consumidores. Não obstante ao fato de que a tarifa média já ter um peso maior no orçamento mensal familiar para estas pessoas do que para outras com maior renda, o fato dos estados com menor renda serem aqueles com menor atendimento de água e esgoto faz com que um grande programa de investimentos naquela região necessite de uma tarifa ainda maior para cobrir esta expansão, aumentando o problema de capacidade de pagamento. Este fato, por consequência, aumenta as perdas comerciais (furtos), o que acaba aumentando ainda mais a tarifa, tornando-se um ciclo tarifário vicioso.
Entrando mais a fundo na questão do primeiro problema (de acesso ao sistema), é importante pensar que, idealmente, todos os atendimentos deveriam ser auto-sustentáveis (financeiramente falando). Isso quer dizer que o consumo individual daquela economia deveria ser suficiente para amortizar aquele investimento em determinado período – que, no caso do saneamento básico, corresponde em geral a um intervalo entre 30 e 50 anos. No entanto, claro que existirão consumidores com maior e com menor demanda pelo serviço, e há um subsídio cruzado entre classes de consumo que ajudam a equilibrar o sistema. Este subsídio, entretanto, deve ter um limite – para evitar investimentos completamente imprudentes.
Por exemplo: considerando que o custo médio de atendimento de um novo consumidor em determinada área de concessão seja de R$5.000,00. Considerando um período de amortização de 30 anos e uma taxa de retorno de 8% ao ano, o valor anualmente cobrado via tarifa seria de R$444,14. Se um determinado consumidor só consegue pagar metade deste valor, a diferença será repartida por todos os demais consumidores daquela concessão. Por isso, os atendimentos devem ter um limite: no caso do Programa Luz Para Todos, que universalizou o atendimento no setor elétrico brasileiro, o limite do atendimento individual era de três vezes o investimento médio do programa [1]. Mais do que este valor, o consumidor não seria atendido.
Espera-se que, com a ampliação orgânica do sistema, e dada uma racionalidade na expansão da rede, todos os consumidores seriam atendidos em algum momento. No entanto, no Brasil – onde estados têm a dimensão de países europeus, e onde a população média possui uma baixa renda – este dia da universalização “orgânica” poderia jamais chegar.
Assim, a lógica de subsídios não-tarifários (recursos a fundo perdido) poderia ser utilizada; porém, mais do que isso, alternativas de atendimento descentralizado (como sistemas de fossa-filtro ou poços artesianos) devem ser consideradas para pequenas localidades, na tentativa de atendê-los de forma satisfatória, sem onerar demasiadamente a concessão como um todo. Esta questão torna-se ainda mais sensível quando se fala da universalização do serviço de esgotamento sanitário: enquanto apenas 64% das residências do país possuem atendimento deste serviço, 85% recebe abastecimento de água [2].
Sempre que possível, o subsídio não-tarifário deve ser evitado. Isso porque recursos governamentais podem ser adiados ou mesmo cancelados, comprometendo o planejamento de expansão do sistema. O serviço ideal é auto-sustentável, podendo se financiar exclusivamente com as receitas dos serviços prestados.
Adentrando na questão das ocupações irregulares em áreas urbanas, tem-se uma questão de enorme complexidade social e política. Em que pese favelas em regiões metropolitanas sejam grandes causadoras da poluição de rios urbanos – o que causa impacto não só sobre estas comunidades, mas também sobre toda a metrópole, como demonstram os casos do Rio Tietê, em São Paulo, e da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro – atendê-las com uma rede “oficial” de água e esgoto seria reconhecer a regularidade destas ocupações.
Assim, cria-se uma situação onde aquelas pessoas jamais sairão daquele local, e jamais receberão um atendimento razoável quanto ao saneamento básico. É uma questão de política urbana que extrapola o setor de saneamento, já que compreende regularização fundiária, com impactos em outros serviços como transporte público, coleta de lixo e acesso a qualquer outro serviço público essencial.
Considerando que os resíduos não coletados não serão tratados e que, por consequência, contaminarão a água que poderia ser distribuída aos consumidores já conectados na rede, é evidente que esta discussão precisa ocorrer e que soluções precisam ser apresentadas – já que o custo do não-atendimento é elevado (não só sob a ótica social, que pode ser vista como uma questão de posicionamento ideológico, mas também sob a ótica financeira – já que custa caro não dispor daquele insumo “água”, contaminado). No exemplo de São Paulo, estão sendo construídos novos sistemas, inclusive o sistema São Lourenço que trará água por 83km, incluindo um túnel de 1.100 metros pela serra e uma passagem por baixo da Rodovia Raposo Tavares [3]. Evidente que os rios que cruzam a região metropolitana, se não estivessem contaminados, poderiam ser uma opção mais razoável e mais econômica de fornecer água à população local. Assim, a questão social está diretamente relacionada à eficiência econômica da concessão, e deve ser de alguma forma considerada nas políticas públicas de saneamento básico.
Diogo Mac Cord de Faria, Sócio de Regulação Econômica da LMDM
[1] Resolução Normativa ANEEL 223/2003.
[2] PNAD 2013, IBGE.
[3] http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia2.php?id=241002