Artigo publicado no jornal Estado de Minas, em 25 de agosto de 2015
Diogo Mac Cord de Faria
Coordenador do MBA em setor elétrico da Fundação Getulio Vargas/Faculdade IBS
Sócio de Regulação Econômica da LMDM
Meu pai me ensinou que jamais devemos resolver um erro com outro erro. Pelo visto, a presidente Dilma não recebeu o mesmo conselho. No dia 18 de agosto foi publicada a Medida Provisória 688/2015, cujo objetivo inicial era tampar o buraco deixado no caixa das geradoras de energia por conta do déficit hídrico. O problema é o que veio de carona: a tentativa atropelada de resolver erros de outra medida provisória, a 579/2012, responsável pelo rombo do setor elétrico que acumula R$150 bilhões nos últimos três anos. O governo precisa entender que o mercado demanda um prazo para estudar, absorver e precificar qualquer nova medida legal ou regulatória que afete seu negócio. A MP 579/2012 foi inesperada e controversa – e somente agora as geradoras afetadas começavam a entender as regras de relicitação e revisão das receitas das usinas chamadas de “velhas”.
O governo silenciou por três anos, que poderia ter usado para colher contribuições dos agentes em processos regulares de audiência pública. Isso não foi feito, e o que se viu nesta semana foi uma proposta que mudou, novamente, as regras do jogo: a MP 688 foi publicada no dia 18, e a ANEEL abriu a audiência pública 054 já no dia seguinte, com o edital de licitação de 30 usinas “velhas”, estando o pregão marcado para o dia 30 de outubro. São apenas 30 dias para que o mercado entenda as novas regras, realize projeções complexas – que envolvem o custo da energia para as próximas décadas – e envie suas contribuições à agência. O prazo é tão curto que há risco de relicitar as usinas antes da MP ser transformada em lei. E qualquer mudança na regra após a licitação seria um desastre.
A proposta é: (a) Alteração do modelo adotado durante todo o governo PT, isto é, do menor custo do MWh, para o modelo de pagamento de uma outorga pelo licitante (como adotado pelo PSDB da década de 1990). Isso renderia cerca de R$17 bilhões aos cofres públicos; e (b) Possibilidade do operador vencedor comercializar livremente 30% da energia da usina arrematada, que antes era integralmente destinada ao mercado cativo (onde estão os consumidores residenciais).
As regras parecem boas, mas o diabo mora nos detalhes. O prazo para as operadoras atuais entregarem os laudos de avaliação destas usinas ao governo termina apenas no final deste ano. Isso significa que a licitação vai ocorrer antes de se conhecer o valor a ser indenizado ao operador atual, valor este que deveria servir como parâmetro mínimo do próprio pagamento das outorgas (só o processo de homologação pela ANEEL destes valores, após a entrega pelas concessionárias, dura em torno de 150 dias). E mais: a Eletrobras foi obrigada pelo governo federal, seu controlador, a aceitar os termos da MP 579 em 2012, o que já gerou R$18 bilhões em prejuízos acumulados à empresa. O que fazer com estas usinas que se enquadraram na regra antiga? Elas terão o direito de vender 30% de sua energia também no mercado livre, sem um processo licitatório? Caso positivo, por que as usinas da Copel, da Cesp e da Cemig (que não aceitaram os termos em 2012) serão relicitadas? Claro, pois se estas últimas três soubessem que a regra mudaria três anos depois, elas também poderiam ter aceitado os termos. E, caso negativo, estará a Eletrobras condenada a ter repetidos prejuízos ao longo dos 20 anos do contrato, mesmo o governo tendo agora assumido que a metodologia antiga não era suficiente para cobrir os custos da usina? A decisão é complexa: cada opção deixa insatisfeito um grupo relevante de investidores.
É o perde-perde que só Dilma consegue desenhar: perdeu o consumidor, perdem os investidores atuais, perde quem se interessar pelas usinas novas, que assinará um cheque em branco, e perde o governo, que apesar de “ganhar” R$ 17 bilhões, pode gastar mais do que isso com indenizações e ainda desagradar investidores e consumidores de uma só vez.
Só uma coisa é certa: a conta de luz mais barata ainda vai demorar.