Em tempos de crise econômica aproveita-se o momento para pensar no que deu certo e errado em nosso país, reflexões que nos levam sempre a comparar nosso contexto com países que gostaríamos que fôssemos ou que gostaríamos que estivéssemos mais próximos, tanto em desenvolvimento econômico, como nível de maturidade de nossas instituições.
Para pensarmos em um estágio mais avançado de pujança econômica não podemos deixar de olhar para um dos símbolos mais fortes do capitalismo, as bolsas de valores. A conhecida Wall Street americana simboliza a grande força daquele país, seu mercado acionário, as maiores e mais admiradas empresas do mundo, os empreendedores corajosos, e é berço de investidores que procuram a eficiência na alocação e no retorno do capital investido. Mesmo que muitos aqui no Brasil possam não acreditar, isso tudo colabora fortemente para que serviços e produtos de qualidade sejam entregues aos consumidores daquele país.
No Brasil, falar em Bolsa de Valores representa falar em um dos mais emblemáticos fracassos de nossa economia, o desinteresse no nosso mercado é representado pelo ridículo número de IPOs e pelo pífio valor de mercado de nossas empresas, para uma economia que até pouco estava entre as sete maiores do mundo, em 2015 tinha no valor de mercado de todas as suas empresas somadas, cerca de US$600 Bi, valor este inferior ao de apenas uma empresa do mercado americano, a Apple.
Independente do sucesso da Apple, isso representa o completo fracasso de nosso mercado acionário – qual a razão para isso? Seria apenas uma questão de conjuntura econômica ou uma questão estrutural de falta de Regulamentação do nosso mercado acionário?
Possivelmente a conjuntura econômica não tem ajudado, e isso é fato.
Porém, quando temos as maiores empresas de nosso país, de vários setores importantes negociadas abaixo de seu valor patrimonial (Petrobras, Eletrobras, Gerdau, Usiminas, Cemig, Copel, Banco do Brasil, Bradespar, Cesp, entre outras) isso pode ser um sinal claro de falta de credibilidade de nosso mercado. Somado a isso escândalos repetidos em empresas como: Petrobras, Eletrobras, OGX, LAEP, Cruzeiros do Sul e Banco Panamericano onde vários acionistas foram iludidos por informações falsas e incorretas divulgadas a mercado, sejam: fatos relevantes comunicando centenas de poços descobertos e declarados como comerciais, mas que de fato não extraíram uma gota de petróleo, no caso da OGX; informações de valores de investimentos que não correspondiam de fato a investimento, e sim a fraudes, como no caso de Petrobras e Eletrobras; ou valores de ativos que já haviam sido vendidos e que ainda constavam no balanço da empresa, como no caso do Banco Panamericano. Isso sem falar de uso de informações privilegiadas e transações com partes relacionadas sem controle e divulgação.
Para não acharmos que esses casos são exclusivos de nosso País, podemos citar um dos mais famosos de todos os tempos, a empresa Enron nos Estados Unidos em 2001. A Enron era a 5° Maior empresa americana, considerada pela revista Forbes a mais inovadora da América por cinco anos consecutivos. Entre tantas fraudes, ficou clara a tática de maquiar demonstrações financeiras iludindo investidores com resultados que de fato nada representavam a realidade de seus negócios para favorecer dirigentes, caso bastante semelhante ao publicado pela revista Veja em relação a OGX.
Ocorre que esse fato ao contrário do que acontece aqui, que colocou todo o mercado acionário americano em uma crise sem precedentes de confiança, ou seja, investidores não confiavam mais nas informações passadas à mercado pelas empresas, trouxe a criação de uma Lei, chamada Sarbanes-Oxley, para restaurar a confiança no mercado acionário, e punir exemplarmente dirigentes de empresas que praticassem tal crime, entre outras regras como a criação de fundos e mecanismos para ressarcir investidores fraudados, resguardar direitos de indenizações contra empresas e dirigentes que pratiquem esses atos ilegais. Uma das mais claras ações dessa Lei, é de que Diretores Financeiros e Presidentes, juntamente com os Auditores Externos devem atestar que as informações financeiras divulgas a mercado não possuem erros materiais, ou razoável certeza de que não existem fatos ilegais que possam levar as informações financeiras a conterem erros materiais.
O Brasil que atualmente passa por situação semelhante a ocorrida nos EUA em 2001, atualmente, tem vivido no mercado acionário a distorção completa de valores éticos e morais, sem que a CVM, cuja missão é regular e desenvolver o mercado de bolsa de valores no Brasil, pareça se importar.
Grandes empresas como Petrobras e Eletrobras tem deixado de divulgar suas informações financeiras no mercado acionários americano no prazo devido, até 120 dias do final do exercício fiscal, por já terem conhecimento de erros ou falhas que estes demonstrativos possuem, em função das inúmeras fraudes ocorridas, deflagradas na operação Lava-Jato. Vide a situação da Eletrobras, que pelo atraso de mais de um ano na divulgação das informações de 2014 e nas atuais de 2015, será excluída do mercado acionário americano podendo ter suas dívidas (debentures) liquidados ou com vencimento imediato, podendo representar outro rombo nas contas da já combalida empresa. Mas e os debenturistas dessa mesma empresa no mercado nacional, não possuem direitos?
No mercado acionário nacional não há qualquer tipo de receio, as mesmas informações que não têm sido divulgadas lá fora por medo de sanções e enquadramento criminal tem sido divulgadas aqui, sem nenhuma sanção por parte da CVM. Nos Estados unidos Petrobras e Eletrobras estão sendo processadas por vários acionistas por informações incorretas divulgadas em anos anteriores, visto que existe uma legislação que defenda seus interesses. No Brasil vivemos no paraíso do faz de conta, as empresas emitem demonstrações financeiras que fingem estarem corretas e a CVM parece não se importar, fingindo que regula e desenvolve o mercado, mas deixando o investidor a mercê dessa prática ilegal.
A Petrobras, que não custa lembrar, possui entre seus acionistas dezenas de milhares de trabalhadores, que por meio de investimentos do FGTS, liberado pelo próprio governo acionista majoritário e causador da fraude, numa forma de “arapuca”, tiveram o valor de suas reservas esmigalhados causando enormes prejuízos a economia popular.
Outro dado interessante para aqueles que acham que o mercado acionário só afeta investidores de ações, é a participação do BNDES em empresas de capital aberto, que nesse caso fez com que o dinheiro do contribuinte de impostos seja esmigalhado com a perda de valor dessas empresas. Atualmente a participação do BNDES em empresa de capital aberto é de R$50 bilhões, sendo R$20 bilhões apenas na Petrobras, tendo esses papeis desvalorizado cerca de 60% nos últimos 3 anos ou 80% no últimos 8 anos, ou seja, somente com ações da Petrobras a perda deve ser de no mínimo R$14 Bilhões para o BNDES, sem contar a perda de correção dos valores investidos por índices inflacionários no período. Podemos ainda incluir nessa conta de prejuízos, os Fundos de Pensão como: PETROS, FUNCEF, POSTALIS e PREVI que possuem investimentos em diversas empresas de capital aberto, tendo realizado prejuízos bilionários já divulgados na imprensa nos últimos anos.
Portanto, resta claro que a falta de regulamentação do nosso mercado acionário não afeta apenas uma fatia dos mais “abonados” cidadãos brasileiros, afeta contribuintes, trabalhadores que têm sido esbulhados ao longo dos últimos anos, sem que nada tenha sido feito para evitar novos casos ou para que as perdas sejam ressarcidas. Uma negligencia completa das autoridades e dos órgãos reguladores desse mercado, mostrando a nós brasileiros que um dia acreditamos no país, que todo o dia é dia de 7 x 1.
Carlos Werlang Lebelein, Sócio de Auditoria, Riscos e Avaliações Econômicas da LMDM