A ANEEL prorrogou, até 25 de abril de 2016, as contribuições dos agentes referente às alterações à Resolução Normativa 63/2004, que define as regras para punição das infrações cometidas por concessionários, permissionários e autorizados do setor elétrico.
Na minuta disponibilizada, ainda observa-se um problema antigo para o segmento de distribuição: a base de cálculo da multa atrelada à receita total da concessionária – isto é, considerando Parcela A (custos não-gerenciáveis, que não ficam com a empresa) e Parcela B (custos gerenciáveis, que ficam com ela). Esta forma de atribuição de multa faz com que, em anos como o de 2015, com forte aumento na Parcela A (compra de energia), os Autos de Infração sejam calculados sobre uma base maior (mesmo que a Parcela B – ou “PB” – das distribuidoras tenha permanecido estável). Por isso, fica evidente que as multas aplicadas sobre estas empresas são muito mais pesadas e desproporcionais à sua capacidade de pagamento do que quando comparadas a outros segmentos (lembrando que 14% do faturamento total refere-se à Parcela B; como 30% refere-se a impostos que são desconsiderados da base de cálculo, PB/PA = 14/56 = 25%; uma multa de 2%, portanto, = 2/25 = 8% da PB, ou aprox. 30% do “lucro regulatório” da maioria das distribuidoras).
Da mesma forma, sobre as geradoras e transmissoras que renovaram suas concessões pela Medida Provisória 579/2012, e cuja receita é calculada basicamente por meio dos custos operacionais “eficientes” acrescidos de uma margem de 10%, uma multa de Grupo V (2% da Receita Operacional Líquida) representa 22% do lucro teórico da empresa, o que obviamente também é desproporcional.
Assim, demonstra-se que a base de cálculo utilizada está equivocada, já que dá um mesmo peso a concessões de G&T greenfield (para as quais, talvez, a base esteja corretamente dimensionada) e a concessões de G&T renovadas pela MP579 e a concessões de distribuição, que possuem margens deveras apertadas.
Como a própria minuta disponibilizada lembra, “a ação fiscalizadora da ANEEL visará, primordialmente, à educação e orientações dos agentes do setor de energia elétrica”. Exatamente por isso, o remédio não pode matar o paciente: a base de cálculo deve ser dimensionada de forma proporcional ao lucro regulatório teórico das empresas, e não proporcionalmente ao seu faturamento. Outros pontos chamam a atenção na minuta:
(a) §1º do Art. 2º: Exigir das concessionárias que “sinalizarem possível deterioração da qualidade do serviço ou do equilíbrio econômico-financeiro” um plano com implantação de no máximo 2 anos para sanar os problemas – indicando que, mesmo aquelas distribuidoras que tem seu contrato de concessão vencendo em 2027 e 2028, e que por isso não assinaram o termo aditivo que as demais distribuidoras assinaram recentemente, também poderão perder sua concessão caso não atinjam determinados indicadores;
(b) §2º do Art. 2º: Monitorar as obras de G&T “visando identificar possíveis problemas e antecipar soluções para evitar atrasos na execução de obras ou na sua entrada em operação” – buscando claramente evitar casos como o da espanhola Abengoa;
Demonstra-se que a Agência sinaliza com um maior controle sobre as empresas, o que pode ser positivo por um lado – garantir a qualidade ao consumidor – e negativo por outro – aumentar a interferência na gestão das empresas. Esta preocupação torna-se ainda maior quando se observa a intervenção que houve no Grupo Rede: em que pese esta intervenção ter sido acertada e necessária, o mercado até hoje se pergunta por que outros grupos, em situação tão ruim ou até mesmo pior (como as distribuidoras do Grupo Eletrobras, ou as estaduais CEEE, CEB, etc.) não receberam a mesma interferência. Isso porque escolher quem sofrerá com o rigor da lei e quem se beneficiará pelo favor da lei não pode ser tarefa discricionária: deve ser algo matemático, claro e transparente. É contrastante, por exemplo, o Art. 17 da minuta, que pune com a “suspensão temporária de participação em licitações” as empresas que deixarem de pagar suas “obrigações com Itaipu Binacional”, enquanto a Celg recebe cortesias do governo federal, endossadas pela ANEEL, em forma de desconto da dívida de Itaipú da ordem de R$400 milhões. Resta claro, portanto, que pau que bate em Chico não bate em Francisco.
Percebe-se também que diversas infrações “leves” deixaram de ser consideradas como simples advertência (exemplo: deixar de manter à disposição dos consumidores nos postos de atendimento “exemplares da legislação pertinente às condições gerais de fornecimento”) e passaram a representar multa de Grupo I (que, aliás, aumentou de 0,01% da ROL para 0,125% – uma variação de 1.250%). Estas ações demonstram um endurecimento da Agência com relação aos erros dos agentes – sinalizando que o objetivo de “educação e orientação” será alcançado pela aplicação de multas cada vez mais pesadas.
Finalmente, a minuta detalha a questão da da perda da concessão (caducidade) em seu artigo 20, de uma forma que talvez preocupe pela forma vaga como foi escrita. É importante que se tenham regras claras, até para o próprio concessionário saber para onde precisa caminhar; assim, qualquer regra vaga e aberta a interpretações, preocupa. Além disso, não se pode falar em “perda da concessão” sem se falar em indenização: a lei 8.987/1995, em seu artigo 36, deixa claro que “a reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido”. Por qual métrica o concessionário será indenizado em caso de caducidade? Até agora, a ANEEL preferiu (Cemar, Grupo Rede, Abengoa) não utilizar este método, intermediando a venda “do negócio”, e não a relicitação “da concessão”, por um motivo muito simples: ela não sabe quanto vale a empresa, qual o valor da indenização e por quanto ela colocaria o negócio no mercado. É importante entrarmos neste mérito, pois não adianta criar uma regra manca. Claro que a REN 63 (e sua revisão) não é a norma adequada para isso; mas o assunto deveria ser colocado na pauta da agenda regulatória da ANEEL.
Tudo isso demonstra que ainda precisamos avançar muito: a revisão da REN 63/2004 é necessária e muito importante. Mas, tão importante quanto o chicote, é a cenoura: afinal, nossa regulação é por “incentivos”! Além disso, temos que saber que a regra deverá valer para todos, independente de seu controle ser privado ou estatal. Aguardemos dia 25 de abril.
Diogo Mac Cord de Faria, Sócio de Regulação Econômica da LMDM